O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) determinou, em sessão extraordinária na tarde desta segunda-feira (9/12), que o governo estadual intervenha na gestão da rede municipal de saúde de Goiânia. O Órgão Especial do TJ, que reúne o colegiado de desembargadores, aprovou pedido feito na sexta-feira (6) pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) por meio da Procuradoria Geral de Justiça após o agravamento de uma crise financeira e de gestão na saúde municipal que teve como ponto alto a prisão do então titular da Secretaria Municipal de Saúde, Wilson Pollara, e dois auxiliares, além da demissão da secretária substituta, Cynara Mathias, que pediu para deixar o cargo uma semana após a nomeação.
Relator do processo no órgão especial, o desembargador Jeronymo Pedro Villas Boas afirmou que a crise ganhou contornos dramáticos e que a atual gestão do município se mostrou ineficiente e sem a devida proatividade e vigilância necessárias ao enfrentamento dos problemas na saúde pública. No seu voto favorável à intervenção, o relator lembrou que a aproximação do período de fim de ano o atendimento na saúde pública se agrava ainda mais, com aumento natural da demanda durante as festividades.
Os desembargadores decidiram, ainda, que a intervenção deve durar até o dia 31 de dezembro, quando vence o mandato do atual prefeito, Rogério Cruz (SD). Com isso, o prefeito eleito Sandro Mabel (UB) poderá nomear um novo secretário municipal de saúde e terá total autonomia na gestão da rede municipal. O colegiado aprovou também que, em 90 dias após a posse, Mabel apresente, dentro do processo judicial, um relatório das ações adotadas e um plano de gestão para solucionar o déficit no atendimento apontado pelo MP-GO.
A peça apresentada ao TJGO no pedido de intervenção contém 75 páginas e detalha um cenário de colapso no sistema de saúde pública local, caracterizado por violações sistemáticas aos direitos fundamentais à vida e à saúde, além de descumprimentos reiterados de decisões judiciais.
A crise se intensificou nas últimas semanas, após eventos como a necessidade de prisão de integrantes da cúpula da Secretaria Municipal de Saúde, em operação do MPGO para cessar irregularidades, e o pedido de demissão da secretária substituta e auxiliares em menos de uma semana. Na semana passada, houve, por meio de depoimentos tomados pelo MPGO e publicações na imprensa, relatos de falta de insumos básicos, medicamentos, higienização adequada nas unidades de saúde e combustível para ambulâncias, além do anúncio da paralisação de médicos prestadores de serviço.
A piora da situação se deu também pelo descumprimento de decisões judiciais anteriores requeridas pelo MPGO e que buscavam mitigar as falhas administrativas, incluindo obrigações relacionadas ao repasse de verbas destinadas à manutenção de hospitais e maternidades municipais. Em uma força-tarefa realizada em maio, o MPGO inspecionou unidades de saúde e constatou graves problemas estruturais e operacionais, como a superlotação, atendimento precário e insalubridade em diversas unidades.
O pedido de intervenção baseia-se em um histórico de mais de dez investigações conduzidas pelo MP apenas na área da saúde. O procurador-geral destacou que medidas menos drásticas já foram adotadas sem sucesso, como a tentativa de acordos e notificações formais, o que reforça a necessidade de uma resposta mais contundente para resguardar os direitos da população.
‘Interventor terá total liberdade para exercer suas atribuições’
Ao final da decisão do Órgão Especial, o presidente do TJGO, desembargador Carlos França (foto), anunciou as medidas imediatas relacionadas à decretação da intervenção na área da saúde pública de Goiânia, de acordo com o decidido pelo colegiado. Segundo ele, “o interventor designado pelo governador terá total liberdade para exercer suas atribuições e iniciar, de forma imediata, as ações necessárias para reorganizar o sistema de saúde”. Além disso, determinou a expedição de ofícios com o inteiro teor do acórdão ao governador do Estado, Ronaldo Caiado, ao prefeito de Goiânia, Rogério Cruz, ao procurador-geral do município, ao procurador-geral de Justiça do Estado de Goiás, ao secretário de Finanças do município e ao juíz coordenador do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec).
De acordo com o voto do relator, desembargador Jeronymo Pedro Villas Boas, acompanhado pelos demais colegas, os relatórios apresentados evidenciam a precariedade dos serviços essenciais, incluindo maternidades e unidades de pronto atendimento. Faltam medicamentos, insumos básicos e pessoal suficiente para manter as unidades em funcionamento adequado. Pacientes relatam longas filas e falta de leitos, enquanto fornecedores de serviços terceirizados, como limpeza, estão sem receber salários há mais de dois meses.
“Não há como não reconhecer a urgência dessa medida. A situação caminha para uma calamidade caso não haja intervenção imediata”, destacou o desembargador Jeronymo em seu voto. Ele também ressaltou que o período festivo agrava ainda mais o problema, aumentando a demanda sobre as unidades hospitalares.
A decisão inclui a criação de uma mesa de mediação no Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec) do TJGO para tratar de passivos com fornecedores de serviços e produtos. Segundo o presidente Carlos França, “os pagamentos só poderão ser realizados mediante comprovação da legitimidade dos débitos, evitando que recursos públicos sejam usados para quitar contas indevidas”.
Durante a sessão, a subprocuradora-geral para Assuntos Jurídicos do MPGO, Fabiana Lemes Zamalloa, ao defender o pedido de intervenção, destacou a importância da medida, afirmando que “situações excepcionais exigem respostas excepcionais”. Para ela, a intervenção na gestão da saúde é necessária para garantir o funcionamento mínimo do sistema e resguardar a dignidade das pessoas que dependem do SUS.
Por outro lado, o procurador-geral do município, José Carlos Issy, durante a sustentação oral, defendeu que a situação não requeria uma intervenção. Segundo ele, “o interventor não vai conseguir mudar a situação, porque de fato o Município não tem recursos”.
O procurador-geral do Estado, Rafael Arruda, também acompanhou a sessão no plenário do TJGO. (Com informações do Centro de Comunicação Social do TJGO)
Veja, abaixo, nota da prefeitura de Goiânia sobre a decisão judicial.
Nota da prefeitura de Goiânia
“A administração municipal reconhece os desafios enfrentados no setor e tem trabalhado incessantemente para garantir a continuidade e a melhoria dos serviços prestados à população. A crise da saúde está sendo tratada com transparência e responsabilidade, e medidas já estão em andamento para solucionar os problemas identificados.
Em relação à intervenção, a Prefeitura reforça que respeitará as decisões judiciais, mas defende que os esforços locais já iniciados são capazes de recuperar a normalidade e assegurar a proteção dos usuários do sistema público de saúde.
É importante destacar ainda que a atual gestão tem colaborado integralmente com as investigações conduzidas pelo Ministério Público de Goiás (MPGO), reafirmando seu compromisso com a legalidade e a boa governança. Paralelamente, estamos reestruturando processos internos, com foco na eficiência e na prestação de serviços de qualidade.”