O Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou nesta terça-feira (10/6), os interrogatórios dos réus da Ação Penal 2668, que investiga a tentativa de golpe de Estado ocorrida entre 2022 e 2023. Entre os seis primeiros ouvidos estão o ex-comandante da Marinha Almir Garnier, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional Augusto Heleno, além do ex-presidente Jair Bolsonaro, do ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira e do ex-ministro da Casa Civil Walter Braga Netto.
Jair Bolsonaro ficou pela primeira vez frente a frente com o ministro Alexandre de Moraes no STF e, ao ser interrogado na condição de réu, negou ter planejado um suposto golpe para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva após as eleições de 2022.
“Só tenho uma coisa a afirmar a vossa excelência: de minha parte, por parte de comandantes militares, nunca se falou em golpe. Golpe é uma coisa abominável”, disse Bolsonaro a Alexandre de Moraes.
O ex-presidente voltou a negar qualquer intenção de ruptura democrática em seu governo, mas admitiu que chegou a discutir “possibilidades” de reverter o resultado eleitoral. Segundo ele, no entanto, as alternativas teriam sido descartadas por não atenderem à Constituição.
“O golpe até seria fácil começar, o after day [dia seguinte] é que é simplesmente imprevisível e danoso para todo mundo. O Brasil não poderia passar essa experiência dessas e não foi sequer cogitado essa hipótese de golpe no meu governo”, disse o ex-mandatário.
Diante das câmeras da TV Justiça e com ampla cobertura da imprensa, Jair Bolsonaro adotou um tom ameno ao falar sobre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o ministro Alexandre de Moraes. Nos últimos anos, Bolsonaro havia antagonizado e até insultado Moraes em público.
No início do interrogatório, Bolsonaro pediu desculpas a Moraes. Ele se retratou por ter insinuado que o ministro e outros membros da Corte teriam recebido milhões de dólares de forma ilegal durante as eleições de 2022. Bolsonaro classificou sua declaração como um “desabafo”.

O pedido de desculpas ocorreu após uma pergunta direta de Moraes.
“Quais eram os indícios que o senhor tinha de que nós estaríamos levando US$ 50 milhões, US$ 30 milhões?”, questionou o magistrado.
“Não tenho indício nenhum, senhor ministro”, respondeu Bolsonaro.
“Então, me desculpe. Não tinha essa intenção de acusar de qualquer desvio de conduta dos senhores três”, completou.
As insinuações de Bolsonaro sobre o suposto recebimento ilegal de dólares aconteceram durante uma reunião ministerial no dia 5 de julho de 2022. Na ocasião, Bolsonaro e seus ministros discutiam o cenário eleitoral daquele ano.
Bolsonaro não foi o único a pedir desculpas ao STF e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, também se retratou. Ele pediu desculpas por ter declarado “guerra ao STF”.
Já o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, pediu desculpas por ter criticado o sistema eletrônico de votação. Torres afirmou que não tinha provas de fraudes.
Ex-presidente chamabolsonaristas de ‘pobres coitados’ e ‘malucos’
Bolsonaro foi enfático ao se desvincular dos ataques do 8 de janeiro. Após a derrota eleitoral, o ex-presidente permaneceu recluso e não fez gestos ou chamados para desmobilizar seus seguidores que contestavam o resultado das urnas e acampavam diante de quartéis e estradas.
Nesta terça, ele chamou de “pobres coitados” e “malucos” os bolsonaristas radicais que depredaram prédios públicos em Brasília.

Além de Bolsonaro, outros sete aliados do ex-presidente também foram interrogados num processo considerado histórico, já que é a primeira vez que um ex-mandatário e militares de alta patente, como generais e um almirante da reserva, respondem criminalmente por tentativa de ruptura democrática no Brasil.
Segundo a acusação do procurador-geral da República, Paulo Gonet, a tentativa de golpe articulada pelo núcleo interrogado teria começado com a campanha contra o sistema eletrônico de votação durante o governo Bolsonaro (2019-2022); seguido com a pressão sobre as Forças Armadas para aderir ao plano e culminado nos ataques à sede dos Três Poderes em Brasília em 8 janeiro de 2023.
Todos os réus negaram as acusações.
Como todos os réus foram ouvidos, as sessões previstas para esta qurta-feira, quinta e sexta-feira foram canceladas. A partir de agora, as partes têm cinco dias para juntar aos autos quaisquer esclarecimentos e outras diligências em relação aos interrogatórios. A medida cautelar que impedia os réus de manterem contato entre si também foi revogada pelo ministro Alexandre.
Todos os interrogados fazem parte do Núcleo 1 da denúncia, classificado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como crucial na tentativa de golpe. Além desses oito réus, o esquema envolve outros 24 acusados, organizados em três núcleos distintos, conforme o papel que desempenharam na trama.
O grupo responde por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. No caso de Alexandre Ramagem, a investigação sobre fatos ocorridos após sua posse como deputado federal, em janeiro de 2023, está suspensa até o fim do mandato.