Nenhum órgão ou instituição da estrutura democrática do país está acima ou fora do controle público. Este é o principal argumento do Governo de Goiás nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 7.581, em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF).
A manifestação foi pedida pelo STF ao Estado após sanção da lei n.º 22.482/2023, de autoria do Legislativo, ampliando o controle externo da Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) sobre o Tribunal de Contas do Estado (TCE). O processo foi provocado pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon).
Na prática, o objetivo da Atricon é impedir que as contas do TCE sejam fiscalizadas por outra instituição. Em resposta, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) elenca uma série de motivos e jurisprudências que garantem a constitucionalidade da nova legislação, sancionada em dezembro de 2023.
A própria Constituição do Estado de Goiás (art. 11, XXI), de 1989, corroborando com a Constituição Federal, garante a competência da Alego para apreciar e julgar contas do TCE. Cabendo à nova lei apenas disciplinar o ato, sem interferência na autonomia dos órgãos.
A defesa, assinada pelo governador Ronaldo Caiado, destaca que, caso tivessem total imunidade, os Tribunais de Contas teriam mais prerrogativas que os próprios tribunais judiciais, inclusive o Supremo Tribunal Federal.
PGE reforça ainda que a Lei n.º 22.482/2023 não tem o objetivo de alterar a organização ou o funcionamento do TCE, sendo preservada sua autonomia para o cumprimento de sua missão institucional. Caberá a Assembleia Legislativa apenas julgar as contas da Corte, sem qualquer interferência. A revisão das decisões do Tribunal caberá exclusivamente ao seu próprio colegiado.
Por fim, o Estado de Goiás afirma que “a independência e a ausência de controle não se confundem”, e excluir a possibilidade de fiscalização de uma instituição vai de encontro aos preceitos democráticos.
Crise envolveria insatisfação com decisão do Tribunal
A briga entre o governador Ronaldo Caiado e o Tribunal de Contas do Estado (TCE) esquentou na véspera do Natal (24/12), quando o tribunal, em nota, criticou o que classifica de ingerência do Poder Legislativo sobre as atividades e decisões dos conselheiros. Trata-se do projeto de lei, aprovado naquele mês na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) que amplia o controle externo do Legislativo sobre o TCE.
Na nota, o Tribunal deixa claro que o projeto de lei foi aprovado por influência do governo Caiado, como represália.
“A aprovação ocorreu em um contexto de insatisfação do governo de Goiás com a deliberação do Plenário do TCE-GO, de 14 de dezembro de 2023, que resultou no Acórdão n. 3353/2023. Com o julgamento pela ilegalidade dos chamamentos públicos referentes a termos de colaboração para gerenciamento, operacionalização e execução das ações e serviços de saúde em unidades hospitalares”, afirma.
Trata-se do chamamento público para organização social concluir a obra e administrar o Hospital Cora, um dos carros-chefes do segundo mandato de Caiado, em construção em Goiânia.
“Não obstante referida deliberação possa ser atacada pela via recursal, o governo do Estado e a Assembleia Legislativa optaram pela edição das normas que visam a implementar uma indevida ingerência do Poder Legislativo sobre as atividades do TCE-GO, em evidente represália à sua decisão”, destaca a nota do Tribunal de Contas.
“O TCE-GO é uma instituição com assento constitucional, dotado de expressas atribuições direcionadas à fiscalização da atividade estatal. As normas internacionais de auditoria determinam que os Tribunais de Contas devem contar com autonomia e independência para que o exercício de suas atividades ocorra de forma adequada. Nessa linha, a Constituição Federal assegura ao Tribunal de Contas a condição de órgão autônomo e independente, contando seus membros com as garantias da magistratura, dentre as quais se destaca a independência funcional”, defende a nota.
Os conselheiros do TCE ainda deixam claro que o Supremo Tribunal Federal tem rechaçado tentativas de submeter os Tribunais de Contas às Assembleias Legislativas.
“O STF possui reiterada jurisprudência no sentido de que o modelo federal de fiscalização do Tribunal de Contas é de reprodução obrigatória pelos Estados, de modo que a Assembleia Legislativa somente pode julgar as contas do Chefe do Executivo. Assim como ao Congresso Nacional não é dado julgar as contas do Tribunal de Contas da União (TCU), também não é permitido à Assembleia Legislativa qualquer ingerência sobre o TCE-GO”, afirma a nota.
O TCE ainda afirma que não aceita a submissão da Corte de Contas à esfera política, “em clara represália e em evidente tentativa de intimidação em decorrência do exercício de suas competências constitucionais”.
“A aprovação dos normativos em questão, menos de 10 dias depois do julgamento do processo pelo Tribunal e, ainda, em exíguas 24 horas de trâmite legislativo, não obstante os alertas a respeito de sua inconstitucionalidade, não permite outra conclusão”.
O governador Ronaldo Caiado, em entrevista no mês de dezembro ao jornal O Popular, teria insinuado que a decisão de TCE de barrar o chamamento público para a gestão do Hospital Cora teria sido uma ação pessoal do conselheiro Edson Ferrari a mando do ex-governador Marconi Perillo (PSDB).